Já ouviram falar de Central Bank Digital Currencies (Moedas Digitais de Bancos Centrais), ou CBDCs? Elas não são uma criptomoeda clássica porque não são descentralizadas e não ficam numa blockchain pública. Não são stablecoins porque não são atreladas a um dinheiro. É tecnologia ideologicamente libertária sendo incorporada pelos bancos centrais.
Que bicho é esse?
Vamos tentar desambiguar um pouco essa região da sopa de letrinhas, além de trazer também algumas novidades no âmbito de gigantes que também estão extraindo valor do universo cripto.
As CBDCs são criptomoedas emitidas por bancos centrais. De forma bem simplificada: são a própria moeda fiduciária do país em seu formato digital. Os nossos leitores mais assíduos já ouviram falar do DREX, por exemplo. Explicada a cabeça de elefante.
E qual a relação com as stablecoins? Vamos usar a Tether como exemplo para explicar as principais diferenças entre elas e uma CBDC americana. A Tether é emitida por uma instituição privada e é - ou deveria ser - lastreada por dólares armazenados, garantindo o valor da criptomoeda. Enquanto a Tether depende do lastro em dólares, uma CBDC é o próprio dólar digital, emitido e garantido pelo governo. O rabo de porco é porque ambas refletem o valor do dólar.
Ainda, você pode até comparar as CBDCs com sua criptomoeda preferida, como o Bitcoin, mas a diferença crucial entre elas é a chancela do governo como moeda oficial do país. As duas estruturam seu backend com base em DLTs (Distributed Ledger Technologies), da qual a blockchain do bitcoin é um exemplo. Por outro lado, enquanto o bitcoin é descentralizado por natureza, as CBDCs são centralizadas, a figura do intermediário persiste. Daí o corpo do pinguim.
Fonte: Finextra
Mas como isso mudaria o jogo no fim das contas? O dinheiro em seu formato digital abre portas para o dinheiro programável ou smart contracts, por exemplo.
Vamos imaginar a padaria do seu Zé. Ele fez um contrato inteligente com a Dona Benta. Esse contrato é programado para liberar automaticamente o dinheiro digital - CBDCs - após a entrega da farinha, alinhando o pagamento à entrega e reduzindo a complexidade das transações. Tá, mas eu posso ter contratos inteligentes sem a necessidade de CBDCs, você deve estar se indagando. E isso é verdade. Mas o seu Zé é Brasileiro e quer transacionar os reais dele, pois bem, as CBDCs cumprem esse papel.
Agora, pense em uma grande empresa do varejo listada no Novo Mercado da bolsa brasileira. Esse tipo de contrato pode ser extremamente benéfico para pagamentos, entregas, transações B2B e em cadeias de suprimentos complexas.
Agora imagine que a mesma padaria do seu Zé cresceu e pretende distribuir dividendos aos seus sócios com base no lucro mensal. Ele optou por usar CBDCs e contratos inteligentes também. Seu Zé configura um contrato inteligente que calcula os dividendos como um percentual do lucro mensal da padaria. No final de cada mês, o contrato inteligente verifica os lucros registrados da padaria e calcula automaticamente o valor dos dividendos a serem distribuídos. O contrato inteligente libera automaticamente os CBDCs para as contas digitais dos sócios, sem a necessidade de intermediários ou processos manuais. Cada sócio pode verificar o cálculo e o pagamento em tempo real, garantindo transparência e confiança no processo.
Seu Zé, que agora é todo high tech, não para. Ele resolveu que, além da distribuição de dividendos, os contratos de trabalho, pagamento de salários, comissões para quem vender mais pães e o bônus de fim de ano também serão feitos por meio de contratos inteligentes. Assim, cada aspecto financeiro da padaria é automatizado e transparente. Os salários são calculados e pagos automaticamente nas datas certas, as comissões são distribuídas conforme as metas de vendas são atingidas e os bônus de fim de ano são liberados de acordo com os critérios previamente definidos.
Os principais benefícios das CBDCs advém das tecnologias do ecossistema como um todo. A interação com contratos inteligentes, como no exemplo acima, a tokenização de ativos e a integração com o mundo cripto são pontos que realmente fazem a diferença. A manjada frase de que são a ponte entre o mercado financeiro tradicional e o digital cabe perfeitamente aqui.
Imagine ter acesso a uma tecnologia que permite transformar ativos reais em tokens digitais, acessível a todos. Não é como se você precisasse emitir a moeda nacional - que só o governo pode. A Foxbit Business oferece soluções para tokenizar uma vasta gama de ativos, desde músicas a precatórios. Descubra como essa inovação pode transformar seu negócio e permitir investimentos globais com tamanha flexibilidade. Saiba mais em Foxbit Business.
A aceitação das CBDCs pelos órgãos governamentais pode ser vista como uma desfeita fundamental ao que é essencial para ser uma criptomoeda relevante, como a descentralização e a independência de autoridades centrais. Enquanto as criptomoedas tradicionais valorizam a ausência de controle governamental, as CBDCs trazem essa tecnologia para um ambiente centralizado e regulamentado. Essa dualidade destaca a tensão entre a essência libertária das criptos e a adoção da tecnologia blockchain pelos governos. A questão aqui é que uma coisa não impede a outra. Os governos decidiram que usufruir dos aspectos úteis de uma tecnologia pode ser feito concomitantemente à existência de uma infinidade de ativos descentralizados.
Inclusive não é só pelas CBDCs que os governos estão sinalizando a aproximação e aceitação do mundo cripto. Nas Filipinas, o governo permitiu que os cidadãos enviem suas contribuições ao Sistema de Seguridade Social do país (como se diz INSS em filipino?) por meio da Tether - aquela stablecoin lastreada no dólar que falamos acima. Defensores da Teoria Monetária Moderna em polvorosa em 3, 2, 1… Controvérsias à parte, a Teoria Monetária Moderna (MMT, em inglês) argumenta que o valor do dinheiro está profundamente enraizado na capacidade de usá-lo para quitar suas dívidas com o Estado de cobrar impostos.
Um outro caso de uso são BRICS avançando no desenvolvimento de uma CBDC própria para criar um sistema de pagamento independente do dólar americano e mitigando interferências externas. Simultaneamente, Hong Kong tem colaborado com o Banco da França na tokenização de ativos financeiros e no desenvolvimento de suas próprias soluções de CBDC. Essas iniciativas visam modernizar os sistemas financeiros, aumentar a segurança nas transações internacionais e fortalecer a autonomia econômica de seus respectivos países e blocos econômicos.
Para além dos governos, um exemplo recente de tokenização entre grandes instituições financeiras, a Fidelity (gestora com US$ 4,9 Tri sob gestão), tem explorado a tokenização de dados financeiros. Além da conversão de cotas de fundos em tokens digitais, a gestora também utiliza a tecnologia da blockchain para garantir a precisão e a integridade dos dados utilizados como insumos de suas análises.
Como assim? Pensa que você é um analista júnior de crédito que encontra um erro no valor lucro líquido para o ano fechado de 2006 no balanço de uma das 38 empresas que você precisa analisar essa semana. Este erro poderia comprometer a qualidade de sua análise e as decisões subsequentes. No entanto, a validação de dados fundamentalistas com o conceito de "crowdsourced data quality" pode corrigir isso facilmente. Múltiplos analistas poderiam revisar e validar os mesmos dados, identificando discrepâncias e corrigindo erros de forma colaborativa. Lindo, né?
Tanto o setor público quanto o setor privado estão vendo vantagens e extraindo valor das tecnologias que envolvem o mundo cripto. Tem espaço para todo mundo nessa brincadeira.
Muito interessante. Não conhecia esta forma de moeda, digamos assim. Só fico pensado em questioned segurança de dados. Ok seu Zé vai poder modernizar com os contratos inteligentes, mas ele vai precisar concentrar nas suas mãos o controle da padaria.